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“O Sol Na Cabeça” de Geovani Martins – Resumo de Cada Conto

Coleção de 13 contos. O livro homenageia seus irmãos e irmãs, sua mãe Neide e sua companheira Érica.

A obra é composta por uma coleção de 13 contos, é o livro de estréia do autor.

Quem é Geovani Martins Ana da publicação da obra = 2018 O que caracteriza um conto (brevidade e dualidade histórica) Quais são os contos (Rolézim, Espiral, Roleta-russa, O caso da borboleta, A história do Periquito e do Macaco, Primeiro dia, O rabisco, A viagem, Estação Padre Miguel, O cego, O mistério da vila, Sextou, Travessia) Construções importantes (linguagem da periferia carioca, uso da memória, antítese e paradoxo) Elementos importantes (a favela como integração do indivíduo, as drogas como cotidiano, interrupção abrupta e desconforto)

“O sol na cabeça de Geovani Martins: um estudo de crítica e tradução” por Andréia Guerini e Willian Moura – ******https://www.scielo.br/j/ct/a/KhJQhNHtyLC8vP7qdkFwNdy/?lang=pt#ModalTutors

Conto 1 – Rolézim

“Para Matheus, Alan e Gleison”

Acordou e o sol era impiedoso, tudo estava quente e sentiu que o dia não seria fácil. Tinha dois reais na mesa que o narrador tinha para comprar pão, mas precisava de mais 1,80 para inteirar uma passagem, era fácil dar o calote na ida, mas na volta era o problema. Ia investir os dois reais no pão, pegar um café e ir para a praia de barriga cheia, tudo menos ficar ali no calor. Passou na casa do Vitim e mais lugares com a mesma situação: sem maconha; querendo ir para a praia; sem dinheiro. Teco tinha até um farelo que ganhou de um trampo, trabalho, mas queria ficar em casa. Iam para a praia cantar as novinhas, banharem-se e dormirem que nem criança depois. Teco até deu um baseado, queriam arranjar belengo, cocaína, o narrador achava estranho querer usar aquilo no nariz com aquela lua, aquele sol forte. O narrador nunca cheirou cocaína, lembrou de uma conversa com o irmão quando ele tinha a idade que ele tem agora, 22, era papo de gente grande, sentia, um amigo morreu de overdose no caminho para comprar mais. Proibiu o irmão de experimentar qualquer coisa e manter no baseado, mais nada. Prometeu, puxava até loló, mas sabia se controlar. Mas hoje via que era melhor ficar no baseado, até bebida era uma merda, falou de quando perdeu o sentido bebendo cachaça no aniversário, lembrava de nada e seguiu até mina no beco, coisa que podia custar a vida ainda mais se ela fosse namorada de outro. Iam de ônibus, os amigos travados e o calor estralando. O narrador achava estranho esse costume de ficar drogado enquanto era oprimido. Lembrou dele e do Poca Telha queimando um na laje da tia e chegaram mais dois com o Mano de Cinco cheirando linhas, tudo com olho vermelho, ficaram ouvindo barulho onde não tinha e o Poca Telha e ele dando risada, para piorar o Mano de Cinco pilhou falando que era a polícia tentando pegar eles, saíram peidando e tentando se esconder. Bem diferente de quando realmente teve operação quase na semana seguinte, tirando a vida do Jean, que era apaixonado por futebol, jogava na base do Madureira e era pouco para virar profissional e até ir no Flamengo ou Botafogo. Até no enterro ele tirava onda, fazia graça, tinha 4 namoradas chorando por ele com a mãe dele. O narrador amaldiçoou os policiais. Chegaram na praia “com o sol estalando”. Muitas mulheres, bunda, água gostosa. Problema era a cara de cu, de incomodados, da galera, tinha policial na praia escoltando e quebrando a brisa, empatando, impedindo, de acender o baseado. O narrador tinha duas teorias: eram maconheiros e queriam pegar o baseado deles; era traficante querendo revender pra playboy. O narrador tinha medo de quando policial queria trabalhar, “coisa boa num é!”. Quando os policiais foram embora, outro problema, nada de seda. Ninguém tinha vontade de pedir pros playboys, até porque quando estavam sozinhos parecia que iam ser assaltados, em bando pareciam que iam pular em ti. O Tico e o Poca Telha chegaram em dois menós, moleques, que pareciam estar na larica, fome após fumar maconha, e deviam dá um dois, fumar maconha, compravam tudo de doce e comida, ficavam ali como se estivessem na Disneylândia, bobeando, mas foi chegar a galera já tinham medo de assalto. O narrador tinha raiva, mas se controlava por causa da mãe e do irmão, neurótica e que prometia não falar mais se fosse dar problema. Foi o narrador para achar seda, reclamou até dessa galera que antes fumava até em guardanapo, agora era só seda smoking, conseguiu a boa com um rasta que falou que os vermes, policiais, estavam na atividade, mataram um boliviano na areia, os policiais tiveram que abafar o caso para não repercutir, ele estava devendo dinheiro e era exagero. Falou para o rasta que só ia aproveitar a praia. O rasta falou antes para ficar na atividade e depois para não perder a fé em Deus. O rasta era do Maranhão, terra que todo mundo fuma bem cedo, desde os 10, como ele e o narrador. Aproveitou a brisa, ficou vendo gaivota, aproveitou a marola, tanto de fumar maconha quanto o mar em si, sentia a água, era levado até a areia e depois competiam de quem ficava mais tempo sem respirar com todos sendo fumantes. O melhor foi depois, os mesmos que recusaram seda foram tirar foto como se fossem donos da praia e passaram dois, um pegou a mochila, o outro os celulares, ficaram procurando mas os menores já tinham vazado e ficaram rindo dos playboy que saíram só de canga. Ainda assim, pensou no rasta falando que a praia estava ativa e na polícia que podia enquadrar eles. A fome surgiu em todos de noite e a polícia estava querendo fiscalizar os meninos e outros menores. Quando quase terminaram de passar pela fila que fizeram no muro, pediram para eles encostarem também. Explicou que quem tivesse sem identidade, sem dinheiro pra passagem ou muito mais que para a passagem, ia para a delegacia. Ficou pensando na raiva da mãe, largou o chinelo e saiu correndo. Lembrou do irmão jogando golzinho, era rápido, e o narrador corria rápido e nem olhava para trás. O irmão morreu pela polícia, ele sabia que não era X9 e foi no lugar de outro. Pensou na família, todo mundo olhava ele, decidiu ver se a polícia o seguiu e eles desistiram para revistar os outros. Construções importantes: vivência no Rio como morador de favela, democratização dos espaços Elementos literários importante: o dialeto de periferia carioca, oralidade como transcrição

“Espaço urbano, opressão e resistência: as figurações da cidade em ‘O Sol na Cabeça’, de Geovani Martins – considerações finais de pesquisa” por Leandro Borges Silva – https://www.editorarealize.com.br/editora/anais/coneil/2020/TRABALHO_COMPLETO_EV144_MD1_SA7_ID62614092020113539.pdf

Conto 2 – Espiral

O narrador comenta que começou cedo, achava estranho, passava na frente de uma garotada de escola particular e eles tinham medo, o que era curioso, pois eles fugiam dos meninos maiores. Pelas ruas da Gávea, ele se sentia os moleques que metiam medo nele. Ele até gostava da sensação de medo dos outros, mas “não entendia nada do que estava acontecendo.”. Há quem diga que morar na favela da Zona Sul é privilégio se comparado às outras favelas, mas a diferença é o que separa asfalto da Zona Sul e o chão do morro. É ter que andar em ruela, desviar de fio elétrico, ver amigo de infância portando arma, desviar o olhar de ratos, policiais, de cano, para depois de quinze minutos dar de frente a um condomínio com plantas ornamentais e aula de tênis. “É tudo muito próximo e muito distante. E, quanto mais crescemos, maiores se tornam os muros.”. A primeira perseguição o narrador jamais esqueceria, começou como toda vez, como ele assustando com o susto dos outros, era uma senhora no ponto de ônibus, ele engoliu o choro, foi chegando perto, fixando na bolsa como quem procurasse algo e ela procurava ajuda em volta. Só que mesmo ela indo embora, ele seguiu sem motivo, ia acelerado, devagar, deixando ela desesperada até que entrou em uma cafeteria. Ele sentiu nojo, pensou que aquilo podia ser invertido com sua mãe e avó sendo desconsideradas por quem corria dele sem motivo algum, mas sentiu mais ódio de que, mesmo assim, a senhora não pensava nele. Ele sentia que não dava para parar, pois eles, os perseguidos, nunca parariam. “Veio a solidão.” e uma apatia a tudo. Ele começava a se afastar de tudo e todos, mas se aproximar desse estudo de caso que fazia, entendia o terreno, as vítimas, mas era muito curto o período de reação e muitas variantes, precisava focar em um único indivíduo. Um dia, cruzando esquina, esbarrou com um homem que já levantou o braço se rendendo para um assalto aterrorizado. O narrador falou para ele sair dali logo, segurando o choro como na primeira vez. Era ele, decidiu seguir. O nome dele era Mário, ouviu perto do lugar que trabalhava, tinha filhas, duas, talvez de sete, oito anos e a outra com quatro no máximo cinco. Nunca pegou o nome porque seguia a família de longe. Batizou a mais velha de Maria Eduarda e a mais nova de Valentina, nomes equivalentes para as caras de bem alimentadas. A esposa ganhou o nome de Sophia. Ainda mais quando via o piquenique no Jardim Botânico, era uma família de comercial de margarina, tirando a babá toda de branco. Tentou forçar os encontros por 3 meses, no começo era um misto de intimidação ou não notar a presença. Até ele perceber a perseguição, ficava mais atento e preocupado, tinha vezes que claramente o perseguia, deixando a tensão crescer, até ele naturalmente fingir entrar em outro lugar. Chegaram ao momento presente e ele ficou rondando uns dias pela casa. O que era para Mário um privilégio morar perto do trabalho, ficava tentando dar voltas para despistar o narrador, o que era inútil pois ele sabia onde Mário morava. Isso era custoso ao Mário e ao narrador, que não sabia onde isso daria. Um dia, decidiu seguir até o fim e viu que ele tomava o caminho mais curto para casa, ambos suavam e tinham a cara vermelha. Ele entrou no prédio que nem máquina, e ele ficou encarando da rua para ver pela janela. Viu Mário transtornado segurando uma pistola automática. O narrador riu, sabendo que, para continuar aquilo, precisaria de uma arma de fogo também. Elementos literários importantes – Clímax, dualidade histórica Construções importantes – O preconceito, abstração da humanidade

“’O Sol na Cabeça’: a enunciação literária em ‘Espiral’ e as cenografias paratópicas no espaço discursivo êmico” por Izilda Maria Nardocci e Anderson Ferreira – https://pdf.blucher.com.br/openaccess/9786555500325/05.pdf

Conto 3 – Roleta-russa

Quando chegou na casa, geral estava tentando se escalar no pé de acerola, com o sol queimando a cabeça e brigavam para ver a fotonovela pornô do Mingau, achada em casa nas coisas do primo desaparecido. Paulo se juntou à turma sem interesse, não que não gostava, até pirava na televisão com os programas conotativos, mas a cabeça dele pirava em outra coisa. Dois brigavam entre si pela masculinidade e pela família, Paulo viu toda aquela cena meio que já prevendo o que aconteceria, quando veriam o revólver. Paulo já mexeu em uma arma e mexia, sentia o peso da arma do pai, não sabia se era bom ou ruim o que sentia. O ar pesava, queria ver os detalhes. Almir, pai de Paulo, prometeu uma vida melhor agora que saiu de ser frentista de posto de gasolina para segurança noturno, ia ganhar mais dinheiro, mas teve uma conversa séria a respeito da arma enquanto o garoto tinha apenas 10 anos. Enquanto repete aos quatro ventos que educa o filho pela culpa e remorso em vez do medo, ainda com a falta da mãe na vida do menino, Paulo nem sabia onde terminava e começava remorso, respeito, medo e culpa pelo pai. Mas tem vezes que Paulo preferia ser descoberto do que ouvir sermão. O pai conversava e pregava, o filho tinha vezes que pensava que o pai tinha descoberto, não queria decepcionar o pai, e quando o via chorando, chorava também sem saber o que acontecia. Eram dois patetas chorando, porque o filho não sabia o que fazer. Pensava em parar de mexer no revólver, comportar-se nas aulas. Dessa vez, Almir tomou banho em vez de dormir após o almoço, coisa que era tão ruim quanto leite com manga, porque disso tem gente que morre.”. Pensando que devia lembrar o pai da arma, perguntou o que ele ia fazer já que se arrumava, ele dizia que daqui a pouco voltava. Quando ouviu o portão bater, trancou a porta como quem não consegue abrir por fora e ficou a sós com a arma. A felicidade veio grande com o remorso, sentia-se mal de noite e no dia seguinte repetia tudo de novo. Era tudo um sonho, “mas nunca seria o bastante enquanto não levasse a arma para a rua, enquanto não a exibisse pra sua galera.”. Mas a maioria estava enfiada em casa vendo desenho depois do almoço ou voando pipa. Mas não ligava para as batalhas de desenho japonês, ficava com a arma, carregava e descarregava, colocou no peito, imaginava como seria ser perfurado pela bala, desceu ao estômago e depois ao pênis, que, inclusive, ficou ereto. Tirou o revólver de vergonha. Em uma conversa, falam da bala de festim e da história do Bruce Lee que tomou um tiro de um em um filme. Paulo descarregou o revólver e queria jogar no time dos ladrões no polícia e ladrão, queria desviar, fugir, provocar, mas ficou no time dos policiais, ainda que não gostasse de perseguir. Queria apontar na cabeça dos amigos e fazer o som com a boca do tiro, que entrava como buraquinho e saía fazendo estrago. Os moleques ainda brigaram de tipo de arma, de filme, de exército e irmão mais velho. As brincadeiras de corrida, as favoritas de Paulo, iam ficando para trás e preferiam cada vez mais brincadeiras que valiam algo como aposta, tazo, carta. Elas até voltavam em festa de rua, lembravam quando morreu um cara na frente da casa da Dona Margarida, o que acharam estranho, pois só ele foi morto, não levaram nada. Ainda reclamaram que a tia dele só via de morte, o que ela parou, pois não queria ver estampada a cara do primo. Paulo queria toda aquela comoção e conversa para sempre, ele não era bom ou excepcional em nada, sentia até que nem faria diferença se um dia fosse embora dali, mas sabia que no fundo tinha algo de diferente. Tentou contar que o pai já tinha matado alguém com aquela arma, mas logo falaram que ele estava sonhando com toda a história de ouvir o pai com outras armas e conversando bem cedinho. Falaram que estavam tirando as balizas de futebol e iam pedir para deixar mais um pouco e daí surge o problema: significava que estava anoitecendo e os homens iam sair para namorar e as crianças entrariam para casa; além de que o pai dele teria já voltado. Paulo saiu correndo sem se desculpar, sentiu ódio do pai por testar ele daquele jeito, raiva de ser um filho assim, pena do pai pelo filho que tinha, triste por ter caído naquela armadilha, medo de não ter pensado em uma desculpa antes, e “de qualquer forma, tudo era uma grande merda olha do por qualquer lado que fosse.”. Chegando em casa já viu os sapatos do velho e sentiu o cheiro de cigarro. Tudo ia ficando cada vez mais pesado e ele nervoso, já via o pai sentado querendo conversar. Ele ouviu o chuveiro, devolveu o revólver, segurou o choro e proclamou que era homem, tinha passado dos limites e contaria tudo ao pai. O banho demorava mais que o normal, jurava que não seria mais assim, assim como jurou tantas vezes. Queria que o mundo acabasse antes do banho, mas não foi assim, ele ouviu o chuveiro desligar, o pai esfregar a toalha no corpo, bater o Prestobarba na pia e finalmente abrir a porta. Elementos literários: narrador onisciente, digressão Construções importantes: sentimento de pertencimento, a violência como elemento que convive ”Cidades, possibilidades e violências: o Rio de Janeiro em ‘O Sol Na Cabeça (2018)’” por Marcelo Reis – https://seer.ufrgs.br/index.php/iluminuras/article/view/118005/pdf

Conto 4 – O caso da borboleta

Ninguém nasce borboleta, ela é uma dádiva do momento presente. Entretanto a borboleta não pensava nisso lá fora, realmente era azul e foi lagarta, estava ocupada em voar de árvore em árvore. Breno tinha nove anos, mas diferente de lagarta, ele vira adulto, e homem não voa. O sonho do Breno era voar, seja como piloto ou jogador de futebol. Não chegou a pensar sobre, mas sabia que era menino e não lagarta, sua avó dizia sempre que não se nascia borboleta. Pensava em como ela comia, já tinha visto passarinho e beija-flor e lagarta comer, menos borboleta. Teve fome e foi à cozinha. A avó dormia na novela das sete, coisa que adorava fazer. Não quis acordar e foi para a cozinha que era antes um quarto e tinha janela, coisa que todos achavam curioso e estranho, Breno sempre viu a cozinha daquele jeito e gostava, achava azar de quem não tinha janela. Pensou em comer biscoito ou ovo, tinha tamanho para fazer o segundo. Entra uma borboleta enquanto procura biscoito, era maior e mais bonita. Ela fica desnorteada e batendo nas paredes, Breno tenta ajudar a guiá-la pela janela. Ela voa direto para uma panela com óleo usado para a batata frita do almoço. Pensou que só se queimaria com o fogo aceso e tirou a borboleta com papel toalha, deixou-a encima da janela e foi comer biscoito. Ficou pensando na borboleta no óleo e se fosse ele nadando em uma panela que coubesse uma criança, não gostava de imaginar, mas era difícil, ainda com o estímulo da mão suja de óleo. Lembrou do pó de borboleta que cegava e teve medo de passar mal porque lambeu o óleo. Foi à cozinha e viu que ela estava morta, quis enterrar ela de pena. “Decidiu que a borboleta seria seu bicho preferido, caso não passasse mal por conta daquela lambidinha no dedo.”. Deixou a borboleta na janela e ia avisar a avó para não usar mais o mesmo óleo, deixou ela cochilando, tentou não passar mal, pensou de novo na frase da avó, sentiu uns trecos no estômago e dormiu. Elementos literários: descrição de sensações, comparação Construções importantes: descoberta de emoções, o lugar como influenciador de sensações ”Favela, infância e adolescência: o discurso narrativo do lugar e de todos os lugares em ‘O Sol Na Cabeça’” por Robson Fagundes dos Santos – https://dspace.unila.edu.br/server/api/core/bitstreams/73f438f5-35c5-42d8-8c35-c1850d4133ea/content

Conto 5 – A história do Periquito e do Macaco

Quando a UPP apareceu no morro, era mais difícil comprar drogas, dava até pena de ver a criançada vendendo, mas tudo se acostuma, infelizmente. Há um locutor silencioso, ao qual o narrador diz que foi a melhor coisa ele ter ido para o Ceará, aproveitavam as conexões com o jornal e qualquer coisa era primeira página, mesmo que a carga fosse pouca ou uma arma, ainda que ninguém saiba o que esteja acontecendo no morro ou até mesmo se prenderam alguém grande. Só piorou com a ocupação da polícia, tinham que dar satisfação, não havia paz. Não demorou tempo para os traficantes que estavam lá antes deixarem de manter a ordem pois foram para outros lugares e de novo surgir a violência, as armas e, finalmente, a morte. Antes eram alguns tiros de aviso, mas evoluiu para morte dos dois lados. Na Rocinha, chegou um momento que a polícia ficava de um lado e, segundo o narrador, os vagabundos de outro. Até dava para fumar maconha, mas piorou muito a qualidade desde a chegada da UPP. Não sabia-se muito bem o que ia rolar, se ia subir exército como no Alemão, ia ter que vir os moradores pedir para parar ou se iam lutar até a morte, mas a única certeza é que a maconha mudou mesmo. Entretanto o pior de tudo é quando entra o Cara de Macaco. Era um tenente que fazia vigia na região da Cachopa, a mesma que o narrador morava, ele conta que o tenente gostava mesmo era de tratar mal viciado, ele colocava a culpa nele, não no traficante, chegou a pegar um cara em um beco, fazer usar tudo e ainda levar a cabeça na parede de apanhar. Outro dia, pegou o Neguinho fumando baseado, ele jogou na vala e ele já apontou a arma perguntando onde que ele arranjou. Era na subida da Vila Verde, todo mundo ia lá, deu uma coronhada e perguntou de novo, ou tomava bala ou descia na vala, não pensou duas vezes e parece que pegou leptospirose. O pior foi na ladeira da Cachopa que ele pegou um playboy pegando de tudo, era a compra do mês de drogas, falava que ele financiava a compra de armas dos traficantes, coisa que era a própria polícia, e o playboy ia crescendo e respondia de volta, lógico, ele tinha as costas quentes, era filho de juiz, aí que o Cara de Macaco ficou espumando de raiva. Ele já subiu querendo fazer maldade e a galera tentou avisar, mas o Buiú se deu mal, ele estava na laje, lugar que os policiais falavam para fumar lá e ninguém mexia, nem o Cara de Macaco sabia subir, mas mandou descer, levou até a casa do Mestre e arregaçou o Buiú a noite inteira, de ter até cenoura no cu. Mas o Buiú era irmão de leite do Periquito da Rajada, coisa que o Cara de Macaco não sabia, e tão piroca das ideias, maluco, quanto o tenente. Era necessário ser maluco, pois a voz fina não dava respeito, mas quando trocava bala ele virou braço direito do dono do morro. A raiva que ele já tinha de policial só piorou com o irmão e o tenente, ele dizia que ia se vingar, até tentaram convencer a não fazer nada ou deixar passar que era coisa do momento, mas sujeito homem não ia deixar barato. O Periquito nem dormir direito dormia, aí bolou um plano, precisava de uma menina gostosa, de deixar gente maluca, como a Vanessa. No que ela chegou, disse ao tenente que tinha tesão de homem de farda, lógico que ele ficou com ela sozinho no barraco e de pau duro, mandou todos os caras com quem fazia ronda, que eram sempre cinco ou mais pessoas, para longe. A ideia era que o Periquito estivesse esperando com uma M16, ela ia entrar no banheiro, ele seguia e matava ali. Só que ele já foi tirando a roupa, ela conseguiu até tirar o colete e ir fingindo que gostava, gemendo alto para o Periquito ouvir, que já encostou o cano e o tenente nem teve como reagir, Vanessa cuspiu na cara do tenente. Os manos ajudaram a levar o corpo e queimar, ele teve que sair dali, coisa que já sabia porque ia ficar feia a situação e ficou. Embora dentro de um mês, a paz voltou na Cachopa. Sem achar o corpo, uma notícia de jornal lamentava a morte de Roberto de Souza, que até o narrador chegou a ter pena dos filhos que choravam a morte do pai, mesmo odiando polícia. Contexto histórico – Instalação das UPP’s (Unidades de Política Pacificadora) em 2013 Elementos literários – Locutor silencioso, alegoria Construções importantes – A polícia como aparato do Estado, o paradoxo de justiça ”’O Sol Na Cabeça’ e os campos de força da bios” por Vanessa Augusta Cortez dos Santos Cunha – https://www.abralic.org.br/anais/arquivos/2018_1546968876.pdf

Conto 6 – Primeiro dia

André já foi embora sem nem deixar escreverem na camiseta, estava de saco cheio de todos e tudo da escola Antônio Austregésilo, nome feio demais só que não rimava com nada para piorar. Além disso, era repetente, tinha quase doze anos em uma escola cheia de sete e oito anos. André tinha confiança que estudar no Henrique seria melhor, queria fazer a fama com as porradarias semanais contra a galera do Getúlio e ser um neurótico reconhecido. André era desligado, estava sempre pensando em estar em outro lugar, mas pensava agora na nova escola. As férias ajudavam a deixar ele de volta ao mundo, mas jurava agora que daria gosto de ser aluno, não pelo estudo, nem por ser excepcional em brigas, mas para escapar de ser chacota e chamado de pirralho pelos mais velhos. Deixou todo material exceto o caderno do Flamengo e uma Bic, a mãe se esforçava e fazia diferença na renda comprar tudo, mas fazia questão, só que André queria impressionar, ser estudioso não era uma opção. Ainda assim, viu a quadra, a escola, andava atento mas aproveitou o novo lugar. Viu duas meninas fumando escondido no intervalo, pensou até o que seria dele no futuro, diante da cumplicidade e amadurecimento. A última aula foi francês, queria aprender inglês para ter fama e ser popular, até simpatizou com a língua quando descobriu como falar “pescoço” em francês. Dois moleques da oitava série diziam que não ia ter almoço, um playboy de cabelo de chapinha loiro mandou todos ao banheiro. Apesar de tentar parecer firme, André temia pederastia como ritual de novatos e parte das regras da escola, mas não era. Era o teste da Loura do Banheiro, que foi violada naquela escola e morreu. Quem chamasse ela três vezes no espelho, ou corria ou enfrentava dois destinos, ficar possuído ou ser sugado para o espelho. O André pediu um teste de verdade, a realidade é que prometeu nunca mais fazer aquilo porque morreu de medo. O loiro sentenciou ele a fazer já que não acreditava. Luzes apagadas e portas trancadas, pensou em tudo que perderia se vacilasse. Firmou as pernas e a chamou. Elementos literários – Metáfora, brevidade do conto Construções importantes – Aceitação, lúdico ”A representação do espaço social: entre o subúrbio e o (sub)mundo em ‘Clara Dos Anjos’, de Lima Barreto, e ‘O Sol Na Cabeça’, de Geovani Martins” por Viviane Chagas de Lima – https://repositorio.ufpe.br/bitstream/123456789/50889/1/DISSERTAÇÃO Viviane Chagas de Lima.pdf

Conto 7 – O rabisco

“Não era pra estar ali.”. Tomou cerveja, já estava com a lata de spray de tinta na mão e ouviu uma moça gritando por ajuda. Os moleques de tinta iam na esperança de ter cerveja, cigarro, erva e tinta para um grande rolê, ganhando fama, juntos, como carrapatos. “O mundo tá de saco cheio desses moleques, Fernando também.”. Tinha outro nome, Maluco Disposição, mas abandonou o xarpi, tentava se distrair com outra coisa e mudava sua relação com a cidade. Desde que Raul, o filho dele, nasceu, abandonou a vida, ainda lutava contra o desejo de pintar, evitava até usar caneta. Se quisesse ser presente e ficar vivo, ia, no máximo, só pixar em baixo, em lugar seguro, que era uma morte muito pior. Quando já ouviu os tiros, nem sabia de onde vinha, já saltou para o terraço com os reflexos em dia e viu que o moleque da tinta já tinha ido embora. Não ia roubar, ia deixar de presente sua marca no mundo, uma frase em homenagem aos amigos que deram a vida pela arte dos Racionais, “Pesadelo do sistema não tem medo da morte.”. Sabia que ladrão e pichador era tudo o mesmo nos olhos da polícia, mas sabia que fazia parte do jogo aquela parte que o caçava. Não ia conseguir pixar, ia esperar eles encontrarem ninguém para ir embora, um empate. Queria ser eterno, por isso aquilo tudo, ficar na memória, mas o filho mudou a perspectiva, foi chamado de pau-mandado por querer parar. Tem dias que o sol aparece até de noite e ninguém dorme, seja de calor ou da cabeça não descansar. O pessoal se aglomerava para ver justiça contra um homem desconhecido. Fernando queria era pixar tudo, rabiscar e mostrar que a vida continua mesmo com ou sem rabisco. Pensava em como tudo parou naquilo, mas a vida tem forças que vão uma atrás da outra, não dá tempo de planejar, só de reagir depois de tudo que aconteceu. Lembrava do pai que voltava para casa e a mãe sabia o som da batida dele de bêbado. A mãe não deixava entrar, ele até queria deixar, tinha memórias de infância boas, mas vinha um mau pressentimento. Assim como veio agora, um nó na garganta que antes ficava de forma positiva, fazia-o se mover. Dessa vez, a vida passou em lampejos desordenados, não como filme, mas presságio, seu corpo sufocava de medo sendo espetáculo para as pessoas ali e o desfecho de tudo. Pensou em como seria melhor com o pai que gastou toda a aposentadoria na cachaça em vez de tentar continuar a abrir a porta da casa. O peso das escolhas veio, não adiantava mais querer pedir desculpa ou dar do melhor ao Raul, o pai já estava morto. Havia uma possibilidade de não o terem visto, estudava o tempo que passou ali e em como sair, jogou uma lata e confirmou que era pichador, ao menos não saía morto, mas que levaria porrada daquela área residencial tomaria. Abriram a porta e subiu gente, mesmo que sobrevivesse à surra, coisa que já matou também outros, ainda ia ter que explicar como que levou aquilo, sem contar que o pai trocou o filho por álcool, ele estava trocando por tinta. Pulou para outro telhado, sentiu o pé doendo muito, quis gritar mas só se escondeu. Sabia que o silêncio que reinava agora ali era definitivo. Ainda sonhou em poder rabiscar o seu nome ali nos prédios, Loki. Elementos literários: Foco narrativo para simpatizar, jornada do herói Construções importantes: O picho como reivindicação do espaço social, conflito de desajuste ”Sujeitos em trânsito: figurações do espaço urbano em ‘O Sol Na Cabeça’, de Geovani Martins” por Evandro Batista Siqueira – https://repositorio.ufmg.br/bitstream/1843/37271/1/Sujeitos em trânsito. Figurações do espaço urbano em O sol na cabeça%2C de Geovani Martins.pdf

Conto 8 – A viagem

O conto é em homenagem a Rapha, “é claro.”. O narrador, Rafa, desembarca no Cabo do Arraial, fugindo de toda a festa de fim de ano que é em Copacabana. Estava ao lado de Nanda e completamente apaixonado. Pensou que a viagem os uniria, saindo do ambiente universitário para ali. Gabriel estava lá e estava contente com isso, era um dos primeiros amigos e ficava feliz de ter por perto, ainda mais que a namorada gostava dele também. A casa era de um argentino, amigo de Gabriel, Juan, gostava de falar e rir alto, fumar maconha e achar camarão de boa qualidade, tinham fumado três baseados já, o narrador retribuiu com LSD. Só que Juan já ficou falando “no, no, no” e ninguém entendeu se ele não aceitava por ser um desses maconheiros intolerante a outras drogas ou outra coisa. Só que Gabriel voltava com a tesoura e ria da situação que entendia, porque a qualidade da maconha era bem maior do que do Fundão, e isso explicava o narrador ver tudo em câmera lenta. A voz de Juan ecoava com a gargalhada de Gabriel e o desconforto de Nanda, parecia um Zé Droguinha querendo usar tudo que podia antes das 2 da tarde. A voz ecoava nas paredes e tremia ele todo, mas que ele guardasse o LED porque era difícil achar e queria estar fritando na queima de fogos. O narrador ficou feliz em poder salvar a pátria para deixar todos muito loucos na virada, todos riram, agora, invadidos por uma onda coringa. Tentou dividir tudo por igual, ainda tomou um pouco com a Nanda, ficaram falando de coisas de sinceridade, promessas de infância e tentando explicar viagens psicodélicas inexplicáveis. Ele até desenhou ela nas almofadas, ficaram calados e curtindo a brisa. Querendo fumar mais maconha, com vergonha da dele e de pedir do argentino, contentou-se com cigarro. Só que Juan procurava algo nos bolsos e na sala e o narrador ria, achando que ele procurava maconha também, influenciado pela fumaceira que fazia, mas não era isso, ele achou uma cápsula enorme de cocaína, “Gabriel esbugalhou os olhos e soltou” uma gargalhada. Ele ia rindo com os olhos brilhando com o serviço, Gabriel nunca usou cocaína, até pegou um pouco para deixar a boca dormente, curiosamente, o narrador aponta que ele só usa maconha, doce e lança-perfume, o último em ocasiões especiais. Nanda até olhou ao narrador que tentou não dizer nada com o olhar e ela aceitou uma linha. Ele ficou até ciumento por dividirem um canudo feito de uma nota de dois reais, mas não queria mostrar que era facilmente influenciável para usar também. Depois, saíram na rua, Juan e Gabriel conversavam em espanhol e a onda batia no narrador, que ficava maravilhado com os dedos e com as coisas ao redor, como as árvores, ser bom estar vivo e morar na Terra. Rafa fica preocupado com Nanda estar fungando e a onda bater errado de misturar drogas. Ele pergunta a ela o que acha do Juan, diz que o acha muito louco, no sentido de feliz, de falar, de entender mesmo sem saber a língua, e que é por isso que vive assim, ele tinha até perguntado se era no sentido de drogado, mas no fim do ano todo mundo fica, de amor, de estresse, de drogas, é quase um fim do mundo e todos tentam viver ao máximo para aí se decepcionaram que nada acabou. Rafa pergunta se ela acha Juan gay, ela o acha engraçado, perguntou se ele ficou interessado nele e falou que não conhecia o lado ciumenta dela. Chegaram na praia e a felicidade os invadiu, o dia era quente e a água fria, mais uma vez o equilíbrio universal, o narrador nem percebeu que Nanda tirou a roupa para ficar de biquini e nem viu se o Juan tinha malícia no olhar de ver ela tirando a roupa. Era uma maravilha ver mulher tirando roupa, mas queria ver a malícia do olhar ser presente nele. Juan olhava para o céu, Nanda para o mar, parece que ficava, como fica sempre pensando demais, pensando em como todos os átomos se reuniram para estar tudo ali naquele exato momento. Gabriel nadava de um lado ao outro, Rafa achava bonito como a liberdade tomava conta do corpo dele. Com dedicação como sempre tinha, Juan foi ver as ondas, depois de um tempo, se reuniu com os meninos na água. Nanda tomava sol na areia. Rafa boiava na água, fascinado com os tons de azul, pensando como era íntimo da água, conectado a ela e como era isso que os tornava próximos, mesmo que não se conhecessem de antes, eram amigos. Nanda se juntou e a felicidade e festança foi tanta de ficar pegando areia do fundo e jogar água que os ciúmes e a neurose foram embora. Foi perceber só depois que estava explorando outros cantos, o que sua alma precisava. Andaram movidos pela alucinação, pois já estavam cansados, o narrador imaginava o que passava no íntimo de cada um, viam praias belas e mal se comunicavam, se não fossem por gestos e gargalhadas. Até que Gabriel disse que era melhor voltar pois ia escurecer. Juan garantiu e sugeriu que ir pelas dunas era um caminho curto, Rafa ficou maravilhado, pensando em quanto tempo toda aquela areia estava ali, como eram pedras antes e quanto tempo precisa passar para virar aquilo. Todo o pensamento se foi quando percebeu que o grupo era perseguido por dois loiros altos, fortes, com roupa de academia. Não queria alarmar o grupo, achou que ia ser taxado de Doidão do Grupo, mas a verdade o enchia e sentia que ia explodir se não fizesse nada, não deu outra, avisou o grupo, virou o Doidão, saiu correndo puxando Nanda. Ela perguntava o que ele tinha, Juan e Gabriel ficaram olhando, mas logo viram que os dois playboys eram da geração saúde e corriam bem melhor que todos, além de conhecerem melhor onde estavam correndo. O primeiro a ser pego foi Gabriel. Rafa não conseguia ver de onde vinham os assaltantes e se encheu de ódio, aquilo não podia estar acontecendo naquele dia, e calculou para derrubar o brutamontes como um jogador de futebol americano. Juan, vendo a ação, sacou Nanda e fugiam. Rafa se debatia, tentando não ser imobilizado, gritou que tinha nada, aí os assaltantes falaram que não eram gringos, pois estavam focando em assaltar turista, não morador, aí Gabriel cresceu e mandou eles respeitarem os moradores. Rafa achou tudo aquilo inacreditável. Mas eles estavam confusos com tudo, achou que ia reverberar no relacionamento com Nanda, mal podiam planejar o próximo passo e deram de cara com um pântano. Mal viam algo na frente, uma bad imensa bateu no narrador e ele chorou, chamavam Juan e Nanda e nada, por sorte, Gabriel não conseguia ver. Chegaram ao final e deram com o centro da cidade. Ele continuava triste, desesperado, até que Nanda o chamou de uma farmácia, ela foi comprar mertiolate, ela saiu correndo com Juan e não parava para não dar chance de anoitecer, daí foi se cortando em tudo que era espinho. Ela achava estranho como via a dor e não a sentia. Juan permanecia o mesmo, feliz e desastrado. O narrador queria dormir, ainda faltavam dois dias para o fim de ano, ficou pensando o que mais o ano poderia o reservar. Elementos narrativos – Sinestesia, texto descritivo Construções importantes – O olhar complexo de coisas simples, o uso de drogas ”A importância da obra ‘O Sol Na Cabeça’ para a literatura brasileira, e sua relevância sob uma perspectiva social” por Isabelle Laurence Marques Fonseca Silva – https://pantheon.ufrj.br/bitstream/11422/21863/1/ILMFSilva.pdf

Conto 9 – Estação Padre Miguel

“Na época estava proibido fumar crack na Vintém. As coisas tinham fugido do controle: muito roubo, briga, perturbação.”. O consumo até existia e o comércio, mas eles tentaram limitar, quem sofria mais eram os moradores. O narrador afirma que o lucro era imenso, não iam parar, e a pedra mais trazia problema do que outra coisa, não lembrava se era proibido o consumo na favela ou na linha do trem, onde era mais intenso o uso. Até teve certeza da linha do trem pois havia ninguém mais por lá. Era tudo cercado de lixo e dejetos humanos e não-humanos, ali se reunia de tudo, gente do trabalho, da escola, tudo a noite escondia. O narrador não fumava mais, o lugar lhe causava cada vez mais nojo, ele até ria no auge do crack sobre piadas de cracudo, mas quanto mais passava por lá e ouvia histórias de antes do vício, sentia vontade de chorar. Lembrou de uma mulher que conheceu, tentou vender um guarda-chuva, daí contou que abandonou Alagoas e toda a vida para tentar a sorte no Rio com a família. Contou da filha que tinha nove anos, que o marido aparecia volta e meia na linha, apanhava, trancava a mulher no quarto mas voltava ali de qualquer jeito, ela achava um jeito. Ela chorava desesperada. O narrador não sabia se acreditava na história, até contava os dentes dela enquanto ela chorava. Ela dizia como o marido precisava de alguém melhor, chorava de verdade e pediu um abraço. Na falta de um, cedeu a maconha que tinha, falando que dava um barato bom. Até comentaram de como era a qualidade de antes, como vinha em outro saquinho, Rodrigo, amigo do narrador, comentava disso, o narrador mal sabia, os saquinhos na Vila Vintém sempre mudavam mesmo. Lembrava do grupo inseparável, Rodrigo, Felipe, Alan e Thiago, uma vez foram passar ali, fazer a cabeça e visitar a filha do Léo, mais um pai. Pensava também se a amizade sobreviveria até a vida adulta. Alan comentava do gosto de amônia, enquanto Thiago dizia que o importante era no fim todo mundo estar de cara murcha. Deu nem duas voltas na roda e Rodrigo já ia preparar outro baseado. Felipe falava que era melhor investir, ele sabia onde ficava coisa boa. O narrador já previa a conversa, só pensavam em droga, já falava para inteirar 10 cada um. Alan falava que não tinha como, a droga era o que movia a cidade do Rio, se parasse por uma semana, a cidade morria. O narrador adiciona que era droga e medo. Era o terceiro baseado e só vinha uma pressão na cabeça. Mesmo que a Amanda fosse do bonde e até fumasse, até pensou se não era melhor outro dia essa visita, um filho muda uma pessoa e todos fediam amônia, além de ser já oito horas. Foram andando, até cantaram “Recado à minha amada” do Katinguelê, mas logo voltou o silêncio. O silêncio incomodava o narrador, esse abismo entre outra pessoa que sabe se lá como se rompe. Voltavam a conversar dos dez contos para inteirarem na maconha no Jacaré, discutiam do horário para pegar, de pagarem certo e o narrador sabia que era uma tentativa de voltar à normalidade anterior. Aí começou uma história do Alan, estava todo arrumadinho para não ser pego pela polícia e aí surge uma cracuda, olhou ele de cima em baixo e disse que chupava o pau dele por cinco reais, pior, já retrucou falando que chupava de graça. Os outros já o chamaram de galã das cracudinhas do Jacaré, já até disse do possível problema e da falta de dente como vantagem, começaram a rir e pararam só quando o trem passava. Até pensou se não era efeito da onda, como quando o Vítor sentia nada ao tomar um pedaço de quadrado pela primeira vez. Era sempre mais fácil ver de pé se bateu ou não. Mas aí o narrador não sentou de volta, sentia uma agonia. Tinha vontade de sair andando dali e seguir seu rumo, mas ficou quieto segurando a bad e sem contar a eles. O narrador sempre falava que a onda tinha que ser aceita, ria e achava estranho os outros que fritavam, mas era alertado que sua hora chegaria. Mas logo voltou à calma, achou estranho como ele sofria daquele jeito e ninguém viu, sentiu que podiam todos serem sozinhos, “sem nunca permitir que o outro habite nossa intimidade”. Ele até ficava neurótico antes, achando que as pessoas o vigiavam, prestavam atenção em tudo, pior ainda quando fumava. Mas não era verdade, ninguém ligava, “Nossa dor, nosso vício, nosso vexame, é tudo muito distante dos outros.”. Passaram o baseado, era o último, fumou sem gosto e pensou se todo aquele corre com a polícia, fumar maconha com amônia e ficar ruim valiam algo, mas pensou que essa felicidade que tinha com os amigos eram o importante. Levantou e estava cansado, queria ir para casa. Apareceu um amigo do Rodrigo, pedindo folha de caderno e falando gago. Ele ia fumar, até ofereceu um fininho, mas falaram que só servia fumar aquela erva com pedra. O narrador viu de longe uma mulher fumando em uma lata de Guaravita, o crack tomou conta da favela e era difícil controlar tanto viciado. O narrador até desistiu de falar algo porque adiantaria de nada, pensou que tudo poderia ser dez minutos, juntar o restante de cada grupo e fumarem. Nisso, apareceram dois caras em uma moto, o passageiro segurando AK e quando o narrador viu já estava na parede, levando bronca que não podiam fumar crack, mas a moça já chorou gritando que estava grávida. Falou de volta que se quisesse o filho vivo, não estariam fumando, depois de mais intimidação do motorista mostrar a pistola, o da AK perguntou quem queria ser o primeiro, apontando o cano na cara de cada um por um tempo. Nunca viu tanto medo na cara de todos, pensou o que aconteceria se deixassem de existir naquele momento. Como sempre, estava sem identidade, esquecendo dos alertas da mãe de sempre andar com a sua. Ouviu o pagode e conectou as ideias, ele estava querendo jogar terror, era muito provável o tiro atravessar a parede e pegar morador, e não iam levar todos favela a dentro para matar. Agora era focar em parecer apavorado e não sorrir de deboche como sempre faz. Soltou a ordem de sair correndo e uma rajada de tiros para o ar, corriam todos desesperados e a grávida mais ainda, ele ia menos rápido, via todos e pensava que um dia escreveria aquela história. Contexto histórico – 2012, Governo Dilma, intensificação do combate ao uso de crack Elementos literários – Interrupção da normalidade, o sentimento de ser diferente Construções importantes – O sofrimento do morador, a culpa do indivíduo ”A representação da favela nos contos de ‘O Sol Na Cabeça’, de Geovani Martins” por André Natã Mello Botton – https://abralic.org.br/anais/arquivos/2018_1547745521.pdf

Conto 10 – O cego “Seu Matias nasceu cego.”. Nunca viu arma, mulher, mar, mas vivia como se o mundo fosse feito para ele, pois também ouvia, cheirava, tocava, falava e sentia. E falava muito, pois usava sua voz para arranjar uns trocados. Tudo variava, religião, começo de mês, bom humor, consciência, mas recebia o suficiente para trabalhar dia sim e dia não. Não gostava das crianças, atropelavam uma fala da outra e era difícil ver tudo, gostava de falar com os idosos, pessoas que falam com gosto, sem medo de gastar tempo pois usam ele para falar com detalhe. O pai morreu aos 6 anos sem fazer diferença ou sentido, vivia bebendo demais. Os irmãos forma embora: Marcos com uma mulher mais velha com filho; Mariana com o pai da criança. Dona Sueli foi derrubada pela doença, só ficou Matias e as fofoqueiras para cuidarem dela. As vizinhas até perguntavam dos filhos que não cuidavam dela, ao qual ela respondia que criou os filhos para o mundo. Pensava em como se alimentar e ganhar dinheiro, não queria ficar com a caneca mendigando, queria conversar, contar a história. Treinou o que falaria no ônibus, do pai, da mãe, pediria para Deus abençoar todos, os que contribuíram e que não podiam. Os primeiros dias foram fáceis, sabia onde colocar piadas, mas a tristeza de ter que repetir a história, a solidão vinha com a contemplação do que viveu e vivia tomava seu coração “e viver de caridade passou a ser um inferno.”. Aproximou-se de um menino chamado Desenho, todos juravam que era bandido. Fazia avião, buscava quentinha para traficante, comprava pó para viciado, e gastava a grana que ganhou comprando baseado na mesma boca. Um dia Matias sugeriu irem juntos, e ele lembrava levemente, aí que aumentaram os ganhos, tinham dó do suposto filho de cego, e também ganhava bem mais que no morro, para alegria dele e conforto da mãe. Entretanto a idade veio, Desenho já era velho para bater uma laje, aos 16 comprou uma moto e virou mototáxi. Matias ia ficando velho e ia sozinho. Ficavam separados, não que falassem muito, mas continuavam o contato. No final do trabalho, pegava o dinheiro do velho, comprava o tanto de maconha e cocaína que podia e ficavam “a noite inteira fumando e cheirando, num papo angustiante em que não se olha no olho.”. Elementos literários – Limitação criativa, preenchimento criativo de descrição Construções importantes – Marginalização de membros da sociedade, deixar ao leitor que complete a história ”(Re)pensando subjetividades marginalizadas ‘no’ e ‘pelo’ discurso literário de Geovani Martins” por Élida Cristina de Carvalho Castilho – https://repositorio.ufms.br/jspui/retrieve/c2b92fb6-f1e8-4da2-80f4-926f24601479/ÉLIDA CRISTINA DE CARVALHO CASTILHO – VERSÃO FINAL.pdf

Conto 11 – O mistério da Vila

“Em memória de dona Maria de Lourdes”. Ruan, Thaís e Matheus voltaram para a rua refrescada da chuva de verão. Ao final da rua, morava uma senhora antiga, a dona Iara, e dessa casa que já via a terceira geração de família crescer, vinha o cheiro de macumba. Os moleque armaram dois golzinhos entre lombadas, tentando chegar mais perto da casa, ouvir o barulho de morcego, rato e bambu rangendo ao lado do valão. Até que um sai correndo em disparada e todos vão, naquele terror de primeira infância. O que saiu correndo disse que viu algo saindo do rio, em meio de risadas e sorrisos de cumplicidade. Um sempre concordava, aumentando a ansiedade. Dona Iara era cumprimentada durante o dia, iam para buscar cigarro, o resultado do jogo do bicho, parecia santa de dia, mas de noite era outra forma, com o cheiro e o barulho de coisa rangendo. As crianças comentam como macumba era coisa do diabo, que podia ser coisa de gente de bem e até possuir. Quando mudou, ainda era vivo Jorge, seu marido, que era pai de santo e reunia até os católicos na gira no quintal. O passar dos anos fez o número diminuir, que parecia vir com o crescimento de igrejas em volta, os antigos frequentadores convertidos agora deixavam o terreiro mal-falado. Usou as lembranças para se consolar, mesmo querendo vender a casa que tinha raízes suas com o terreiro. Um dia, um menino chamado Matheus estava ardendo de febre, igreja e médico não ajudavam, mandaram chamar dona Iara. Enquanto rezava e passava erva, todos gritavam cânticos de igreja. No final, tragou cachaça, pediu para todos também o fazerem, fizeram, e disse que ia melhorar, com a resposta de que Deus estava com eles, era só um susto. Quando dona Iara se foi, fizeram um pacto de nunca contar na rua o que aconteceu ali, só Matheus que contou para Ruan, mais ninguém. Em outra vez, a casa do Ruan ficou infestada de carrapato, dona Iara pegou três, colocou numa caixa de fósforo e mandou colocar em uma encruzilhada. A avó levou Ruan e Ruan só contou para Matheus. Da família de Thaís, menos o pai era testemunha de Jeová, ele era alcoólatra. Thaís não comemorava aniversário, não comia doce de Cosme e Damião, não doava sangue e nem usava troco para comprar cigarro ou jogo do bicho da dona Iara mas foi ela quem desamarrou a barriga no ventre no parto. “A mãe de Thaís nunca contou para ninguém.”. As crianças voltam de novo para o lugar do susto, escondendo-se com o coração batendo forte, que no fim dava história animada na frente do bar do Galo Cego. Em uma noite, soltou um barulho forte, a porta. Mílton, um dos filhos de Iara saiu correndo pela vila, suado, cheirando, eles achavam que estava possuído. O carro do tio do Matheus logo chegou e levavam o corpo desacordado de dona Iara para o carro. As crianças se espremiam escondidas para ver tudo, Ruan e Thaís sentiam vontade de abraçar e chorar, a velha saiu para o pronto-socorro. A porta estava aberta, ninguém sabia o que dizer e nem queriam contar a história no bar do Galo Cego. Ruan fechou a porta e todos foram embora, com a noite suspensa por um medo diferente. Ficaram sabendo pelo Matheus que soube dos filhos dela, era derrame ou infarto, por pouco não morre e ia ficar no hospital. Sem que vissem, Thaís pedia a Jeová pela vida de dona Iara, todos os dias e ocasiões, sem saber se era pecado orar por macumbeira. Ruan ficou em casa, sozinho, sem fazer barulho. A avó perguntou se brigou com os amiguinhos, ele disse que não queria que dona Iara morresse e a lembrou dos carrapatos. Ela disse para pedir para Deus, melhor, um santo, pois Deus ia ouvir o santo. Ruan olhava para as figuras que sempre conviveu e nunca pediu nada ou se quer prestava atenção. Ia pedir para Nossa Senhora, parecida com dona Iara, desistiu. Não sabia o que dizer e a quem, mas São Jorge, com um cavalo e uma espada que era capaz de matar um dragão era quem podia fazer qualquer coisa, as palavras saíram naturalmente, o pedido também e agradeceu antecipadamente. Ruan e Thaís voltaram para as brincadeiras da rua sem parar de orarem e pedirem preces, só Matheus parecia apático. Ruan ficou inconformado com sua indiferença da dona Iara, cobrou dele pela história de segredo e ia bater nele se mentisse da reza. Matheus saiu e foi embora. Dona Iara voltou perto do horário da novela, apoiada aos filhos, as crianças queriam espalhar as boas-novas. Ruan e Thaís foram à casa de Matheus, Ruan se desculpou e propôs de visitarem dona Iara, ele aceitou as pazes e falou que preferia ficar ali jogando videogame. Ruan soltou que se fosse assim, esquecia as pazes e nem precisava mais conversar com ele. Como eram melhores amigos, pausou o jogo e foi com o bonde. Chegando lá, dona Iara estava vestida de branco como santa com uma vela acesa ao lado de um copo de água, igual a vó de Ruan. A casa tinha um cheiro estranho, com pouca luz, mas o suficiente para os olhos de dona Iara brilharem. Thaís disse que pediu a Jeová pela vida dela, beijando a cabeça da velha, ela agradeceu e disse que devia estar viva por Deus. As crianças acharam estranho como falou de Deus, ela contou do que passou no hospital, teve medo da morte, contou de como chegou lá, como era a rua, das festanças. Eles ouviam tudo atentos, até das histórias de Orixás. Quando deram conta, já precisavam ir, Ruan contou da promessa de São Jorge, dona Iara riu, falando que ele era filho de Ogum, como disse a avó dele. Dona Iara se recuperou, voltaram os dias de cheiro com as brincadeiras. Nem parecia que tinha acontecido algo, era tudo o mesmo, menos Ruan, que invadia a vila sozinho, que ia para ouvir as histórias de seu protetor e pai, Ogum Iê. Elementos literários – Tradição oral, a memória como símbolo da literatura contemporânea Construções importantes – Sincretismo religioso, religião de barganha ”Ancestralidade e memória da cor ausente em ‘O Sol Na Cabeça’, de Geovani Martins” por Cláudio do Carmo

Conto 12 – Sextou

Quando a mãe do narrador descobriu que ele fumava cigarro, ela não deu um esporro como achou que teria, mas parou de dar dinheiro e falou que se era grande o suficiente para ter vício, podia trabalhar. Até ficou bolado, mas entendeu o papo. O primeiro trabalho foi de boleiro com Márcio, professor de tênis. Arranjou dinheiro para as compras e até dormiu com seu primeiro Nike quando comprou um. Tinha o maior orgulho em cada pisada, ainda mais quando foi para a escola com ele. Gostava da sensação de ajudar em casa, queria trabalhar para sempre. Entretanto, o mesmo desejo sumia quando precisava trabalhar para gente que nem olhava na sua cara com o sol ardendo na cabeça. Odiava os idosos mas principalmente os mais novos, o jeito de falar, andar, tratar funcionário, pensava no que gostaria de responder, só que o pior de tudo eram os problemas que reclamavam, que iam desde a empregada não foi para não aguentarem mais irem para a aula de inglês. Em casa ou na escola a raiva passava devagar, com os amigos e a comida na mesa. Um dia, tudo explodiu, um aluno disse que parecia um personagem de desenho, mandou tomar no cu que não era amigo dele, nem o aluno e nem ele acreditou no que aconteceu. A mãe ficou bolada, Márcio disse que quase fode com o trabalho dele e parou de falar com o narrador. Ele se sentia mal, foi ele que o levou para ver um jogo de futebol pela primeira vez, e ver o Flamengo fazer gol dava vontade de ir abraçá-lo e celebrar. Trabalhou em outras coisas, mas era sempre fazendo algo para os outros, chegar na hora e ter sangue de barata. A convivência com o padrasto piora a, a mãe ficava quieta, o narrador ia na máxima de “manda quem pode, obedece quem tem juízo”, apesar de pensar que aquilo era uma bobagem, “o caralho”. Arranjou um trampo de indicação de panfleteiro, 30 reais por dia, das 8 às 16, diferente de como não se firmava em outras coisas antes, ficou quase um ano, dava para quem pegava o papel, quem não pegava, sempre tinha outro. Tinha tempo o suficiente para sonhar. No primeiro dia chegou bem antes, viu gente grávida, mais velha que os avós e muita gente. Pensou até não ser ali, mas viu o amigo, chegou o fiscal momentos depois e ele entregou um maço de papel, tinha que entregar na rua da Carioca, na esquina. No começo sentia vergonha, olhavam-no com raiva ou pena, levava para o pessoal até entender que não era ele, mas o que ele representava, um entregador de papel. O difícil era quando passava gente que conhecia, fingia que não estava ali, um amigo ouviu que ele estava na correria e até que queria se arranjar ali, outra era uma menina que estava desenrolando, só que ele continuou trabalhando e ela passou batida. Quis usar o pagamento da primeira semana em maconha, salvar quem salvou ele nos corres, pagar a internet e algumas coisas da casa, ia ficar duro, mas trabalhar o dia inteiro tem essa vantagem, nem dá tempo de gastar o dinheiro. Comprou uma passagem de um cracudo, podia ser golpe mas ele conhecia onde ficava, arriscado tentar dar um golpe, garantiu que tinha duas passagens, pegou o trem depois de tanto tempo e estava lotado no horário das cinco. Os camelôs tentavam achar espaço que nem tinha, em São Cristóvão os novos passageiros tentavam achar espaço e os antigos diziam para pegar o próximo trem aos empurrões. No Maracanã, choveu. Pensou na desgraça de uns e na felicidade de outros, eram dos garotos inseparáveis, magros de vareta, aproveitavam do clima e do dia para fazerem negócios. Conheceu eles quando foi comprar maconha, ele tinha rodado, ficou puto, e os garotos o salvaram. Chegou em Triagem, mal conseguia chegar na porta e pisou no pé de um. Não tinha força para passar, aí em Jacarezinho empurrou e saiu, sabendo que não ficaria para ouvir as reclamações. Estava enlameado, tinha até pouca gente que poderia achar normal, pensou que se tivesse operação, ia ter que achar outra rota. A maconha ali já fez muito sucesso e era ponto de outra facção, até encontrou um amigo por ali um dia, só não voltou com o amigo mototáxi porque ficar com droga no erro era difícil. Estranhava a falta de gente, da galera fumando maconha que era em abundância, além dos cracudos que não o abordavam pedindo qualquer coisa com insistência. Foi comprar a maconha com um menino que disse que a polícia já tinha passado de manhã, não tinha mais nada no dia e estava tranquilo agora. No que ele compra cigarro, a tia disse algo que ele não associou até ele ser encontrado por um policial na estação “Cuidado com os tiras!”. Eles abordam e começam a perguntar da maconha e, principalmente, do dinheiro que fez os olhos deles brilharem. Ele tenta concordar em ir para a cadeia, assinar papel, dar a maconha, mas que precisava do dinheiro. Os policiais, sem identificação, riem, falaram que ele perdeu tudo e tentavam esquematizar que tinham achado muito mais maconha com ele do que ele dia. No final das contas, ele vai com a maconha e fica sem o dinheiro, deram, após ele reclamar, 4 reais para pegar o trem. A passagem que comprou do cracudo não funcionou e teve que pular o muro do trem para economizar. Em casa, os amigos perguntaram se ele foi abordado, explicou como levaram o dinheiro e deixaram com a maconha. Foi dechavando, pensando em cada perrengue que passou com a polícia, ia crescendo o ódio que passou todas as vezes e naquele dia, foi ver tinha feito um charuto. Fumou, a galera reclamava dos vermes, mas fumou com tanto ódio, tristeza e desânimo que preferia que tivessem levado a maconha. Elementos literários: Regionalismo, hibridismo Construções importantes: Cidade partida, desigualdade social ”A identidade marginal periférica em ‘O Sol Na Cabeça’, de Geovani Martins” por Dra. Ana Paula Franco Nobile Brandileone – file:///Users/alessandroperre/Downloads/2049-6625-1-PB.pdf

Conto 13 – Travessia

Beto já tomou bronca pela primeira vez ao encontrar com o o dono do morro que mandava sumir com o corpo, não queria saber de processo ou problema, se não, quem ia para a vala era ele. Já fazia ano que entrou na boca, segurava a metralhadora mas nunca atirou uma vez. A favela nem tinha mais aparição da polícia, estavam em uma época de calma, era tanta calma que muitos entraram na boca e nem tinham como fazer algo para mostrar o valor, ficavam apontando para o invisível e imaginando tudo. O problema é que a falta de experiência de mostrar que era sangue frio ia ter que ser colocada agora para dar embora do presunto. O problema todo veio que o cara comprou pó e fez cumprimento de outra facção, em vez de dar um coro ou uma bronca deu uma rajada. Passou a adrenalina e o ódio do momento e viu que o corpo também era filho de Deus e de uma mãe, a merda já estava feita no primeiro tiro. Era tudo difícil, tinha que ver um carro para levar ao lixão, de moto não dava, já sentia que ia ser taxado de vacilão do morro. Ficou pensando em como perdeu a chance de ganhar grana, via todo mundo antes de carro importado e ele precisava pagar fiado em marmita, “bandido duro é foda”. Beto, vai contando o narrador, ia pedindo ajuda e todo mundo se desviava, na hora de arranjar droga e pagar de bandido com arma todo mundo aparecia. Ficava puto com o dono do morro que não deixava desovar o corpo no mato, a polícia nem subia para pegar droga, imagina entrar para procurar corpo de drogado morto, mas tinha que respeitar. Arranjou um Chevette para pagar depois, já sentia que ia ser parado, polícia gostava de parar carro assim, sem documento, com lanterna faltando. Pensou em levar de madrugada, mas aí mesmo que iam parar ele com sede de fazer trabalho. Decidiu ir no fim da tarde com a ajuda de Deus. Fazia tempo que não dirigia carro, no morro era de moto. Pensava no nome do corpo espremido no porta-mala, quis até que nem tivesse família e lembrou de como se afastou da mãe quando trocou os cultos por maconha. Teve dó da mãe, bastava o filho ficar na boca, mas ser assassino e ter que lidar com as fofoqueiras do culto ia ser uma desgraça, povo bom para cuidar da vida dos outros em vez da palavra de Deus. O pior rolou, o Chevette morreu em área de milícia, já estava todo doído de dirigir nervoso por trinta minutos e nem tinha grana para desenrolar ali. Viu um bar com uns coroas jogando sinuca, bebendo cerveja e que muito provavelmente tinha um miliciano. Os mesmos velhos já iam em direção ao carro e dava para ver a arma na silhueta da camiseta, vinham três. Ia explicar sem saber como, pode ser que se falasse que o presunto era viciado aliviasse, mas o número de tiros denunciava que trabalhava na boca, e aí ficou pensando em como ia morrer, ser torturado antes até verem dinheiro, e não iam ver, estava queimado e o pessoal do morro ia falar para matar mesmo, era destino de vacilão. Pensou na mãe de novo. Pensou agora em Deus. E o Chevette foi, ajudaram sem nem perguntar, ele mesmo já ajudou e nem sabia o que ia dentro, talvez as coisas melhorassem, era cria do bagulho, não tinha motivo para ficar taxado para sempre. No lixão, tinha até gente procurando, mas ele viu que nem prestavam atenção e já puxou o saco de lixo, pesado. Se fosse no mato, ia tacar fogo com gasolina, mas ali o fogo se alastrava e ia ganhar fama de vacilão e até pagar por isso, aprendeu a se controlar naquela situação e deixou para os urubus. Avaliava se voltava ao plantão, podia mostrar à galera que passou, errar era humano, qualquer um pode perder a cabeça, ou se não voltava e depois vinha no sapatinho. Só sabia que sentia ódio. Voltou e era como se visse o morro pela primeira vez com os moradores, cachaceiros, gente vendendo droga, e sua vida desmoronou na boca, mandaram o papo de vazar e nem se despedir, o morro ali não era lugar para gente emocionada. Achou que ia tomar bala, era feio morrer para vacilão, ele era cria, achou que não ia ser assim pela reação de quando voltava. Deu meia-volta, sem medo de tomar tiro pelas costas. Ia descendo, lembrando de coisas da infância, festanças, correr, sonhos de trabalho, sonhou em ser jogador de futebol, piloto, técnico de informática, nunca pensou no tráfico, olhava tudo pela última vez, sem saber onde dormir, com o peito doendo de amar e odiar aquele lugar e saber que tudo seria diferente a partir daí. Elementos literários: In Media Res, Anedota Construções importantes: O outro lado do tráfico, desconforto ”A representação da violência em ‘O Sol Na Cabeça’, de Geovani Martins” por Keury Carolaine Pereira da Silva – https://repositorio.uema.br/bitstream/123456789/1868/1/Dissertação – Keury -1 PDF- A.pdf

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Tema de Redação da UEA SIS 3 de 2021 – “Uso de redes sociais por crianças: proibir ou permitir?”

O tema de redação da UEA SIS 3 no ano de 2021 teve a pergunta “Uso de redes sociais por crianças: proibir ou permitir?”. Os textos motivadores ajudavam você a conseguir decidir pelo lado da permissão ou da proibição.

Confira a seguir os textos motivadores na íntegra

Texto 1

Para evitar riscos da exposição de crianças nas redes sociais, o Instagram decidiu seguir com mais rigor seus termos de
uso da rede social, que indicam que a idade mínima para ter acesso ao serviço é de 13 anos. Em março de 2019, por exemplo,
um garoto de apenas 8 anos criou uma conta e, meses depois, a rede social decidiu notificá-lo da impossibilidade de seguir
utilizando-a.
Essa notificação levantou um debate sobre os riscos da exposição das crianças na internet e sobre a responsabilidade das
empresas de redes sociais de zelar pela segurança desses usuários, como explica o psicólogo clínico Vítor Friary, para quem
é preciso restringir o uso para crianças. Segundo ele, “Temos que avaliar a idade para usar as redes sociais, pois a criança
não tem preparo emocional e habilidades socioemocionais para agir de forma responsável diante de alguns problemas com os
quais ela venha se deparar durante esse acesso”.
O menino Gabriel César, de 12 anos, tem Instagram e gosta de acompanhar as novidades da rede. “Nele, posso ver tudo
que meus amigos postam, material da escola, ver os stories e também compartilhar novidades”, conta. Mas a mãe de Gabriel
não deixa o filho ter acesso livre à rede. A psicóloga e psicopedagoga Dulce Maria Morais coloca a sua posição quanto a esse
debate: “Não vejo como errado criança menor de 13 anos ter rede social, em função da necessidade, em nosso mundo, de se

aprender a usar as tecnologias virtuais. O que considero imprudente por parte dos responsáveis é a criança, sem monitora-
mento, ter rede social”.

(Aline Lourenço. “Crianças de até 13 anos terão Instagram deletado; entenda o motivo”. www.em.com.br, 20.09.2019. Adaptado.)

Texto 2

Embora a maioria das plataformas estabeleça a idade mínima de 13 anos para a criação de um perfil, cerca de 20 milhões
de crianças e adolescentes de 9 a 17 anos eram usuários de internet e ativos em redes sociais em 2018, segundo a pesquisa
TIC Kids Online Brasil.
A pesquisa ainda apontou que o uso de redes sociais por esse público está associado a uma série de benefícios. As redes

sociais ajudam os jovens a terem acesso à informação, construírem suas identidades, aprenderem sobre o mundo, se expres-
sarem e se relacionarem. As crianças estão desenvolvendo uma identidade virtual ao escolherem o que e como compartilhar, o

que consumir e quem seguir. Elas têm a chance de produzir conteúdo, aprimorar sua capacidade criativa e propor discussões
sobre os temas que as cercam.
Contudo, ao usarem as redes sociais, as crianças também estão sujeitas ao cyberbullying, que é a violência praticada
contra alguém via internet, e a situações de superexposição. Renata Guarido, mestre em psicologia e educação, pondera:
“qualquer episódio preconceituoso ou de insulto recebido pelas redes vai demandar da criança uma condição de lidar consigo
mesma e com esses ataques muito superior aos recursos psicológicos que ela tem, não apenas pela idade, mas porque a
exposição na internet é muito grande”.

(Mayara Penina. “Eu, criança virtual”. https://lunetas.com.br, 26.06.2020. Adaptado.)
Texto 3

Quanto mais exposição nas redes sociais, maior a quantidade de mensagens negativas com críticas, mas também men-
sagens positivas, elogios e bajulações. Essas últimas eram as maiores preocupações da mãe de três filhos Fernanda Rocha

Kanner, 38 anos, de São Paulo. Para proteger a futura saúde mental de sua filha Nina, ela resolveu apagar as redes sociais
da menina de 14 anos. Mas a decisão não passou despercebida, afinal, Nina tinha quase 2 milhões de seguidores. Fernanda
explica as razões de tomar essa decisão: “Não acho saudável nem para um adulto e muito menos para uma menina basear
referências de autoconhecimento em opiniões virtuais. Isso é ilusão. Eu não quero que a Nina cresça acreditando que é esse
personagem virtual”.

(Sabrina Ongaratto. “Mãe apaga redes sociais da filha de 14 anos com quase 2 milhões de seguidores:
‘Proteger a futura saúde mental’”. https://revistacrescer.globo.com, 20.07.2021. Adaptado.)

Com base nos textos apresentados e em seus próprios conhecimentos, escreva um texto dissertativo-argumentativo, empre-
gando a norma-padrão da língua portuguesa, sobre o tema:

Uso das redes sociais por crianças: proibir ou permitir?

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